Da legítima defesa aplicada à atividade policial

Por Erik Schaeppi é advogado criminalista e-mail: erik.schaeppi@gmail.com instagram: erikschaeppi.adv

Erik Schaeppi

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De fato o lobo sempre será mau se você ouve apenas a versão da chapeuzinho vermelho. Hoje, muito é visto policiais condenados pelo clamor midiático. Em busca das melhores manchetes (aquelas que vendem), a narrativa que posiciona os policiais civis, militares ou outros, como lobos predadores, é absorvida pela população e dificulta o entendimento da legítima defesa na atividade policial (lógico que existem excessos e violências por parte da atividade estatal, mas é bem óbvio que a generalização destrói o processo penal).

Importante dizer que se quiser entender esse direito e sua aplicação na atividade do poder policial, é preciso dissociar-se das idiossincrasias dos grupos extremistas. Pois a razão precisa superar as escamas de sentimentos que tapam os olhos de quem vê, assim como Paulo em Atos 9:18 onde "Imediatamente lhe caíram dos olhos algo parecido com umas escamas, e ele passou a ver de novo." Sempre foi necessário desviar-se da cegueira vivenciada pelo senso comum.

O artigo 25 do código penal brasileiro sacramenta o direito de agir em legítima defesa. "Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem." O parágrafo único diz, "considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes".

Possível visualizar com a leitura do parágrafo anterior, que proteger a própria vida e a vida de outro, são condutas englobadas pelo tema. Se não vejamos, proponho que imaginemos um policial armado, emitindo uma ordem legal para um indivíduo desarmado que estaria em flagrante delito (cometendo um crime por exemplo). O policial diz para que ele coloque suas mãos ao alto. Sem acatar a ordem, o criminoso anda em direção ao policial, se aproxima da arma, e esboça uma ação, que poderia de forma presumida levar a subtração da arma e a morte do policial. Afinal, se a arma for tomada da mão do policial, o risco de morte deste é concreto.

No exemplo, caso o agente público efetuasse disparos no momento da injusta agressão iminente, até fazer cessar esse risco de morte, é claro. Ele estaria agindo em legítima defesa, e não incorreria em conduta criminosa devido a excludente de ilicitude que é a legítima defesa.

Vale destacar, que o excesso de legítima defesa é punível. Logo, no momento em que a pessoa não oferece mais risco, deve-se cessar também aquela reação. Não posso continuar reagindo, se quem tentou me agredir ou me matar não oferece mais risco.

O disparo do policial precisa ser na perna para caracterizar a legítima defesa? E se for na barriga ou na cabeça? Não vou me adentrar nessa complexa discussão agora. Seria tema para uma coluna inteira.

Porém de modo superficial, preciso destacar que cada caso deve ser analisado de forma circunstancial e com a devida singularidade. De fato um disparo na região da barriga ou da cabeça, pode estar em conformidade com a legítima defesa. Assim como um projétil disparado nas costas também. Não é tão óbvio assim, eu sei, vou explicar.

Portanto vamos imaginar de novo, em uma perseguição policial, o criminoso armado corre mas atira ao mesmo tempo. Fazendo uma manobra com os braços, ele olha para frente, porém atira de forma desgovernada para trás. Neste contexto, um projétil disparado por um agente de segurança pública, em suas costas, se amoldaria perfeitamente à legítima defesa.

Com relação a me aprofundar acerca do disparo na cabeça ou na barriga, vou me reservar ao artigo 5º inciso LXIII da Constituição Federal, o direito de ficar em silêncio. Brincadeiras a parte, eu precisaria de uma coluna inteira reservada ao tema, como já dito antes.

Além do todo exposto, tenho que escrever sobre a legítima defesa de terceiro. Ela é aplicada quando se reage a uma injusta agressão atual ou iminente direcionada ao outro. Temos o policial que dispara um projétil e leva a óbito um criminoso que estava com uma arma apontada para a cabeça de um refém por exemplo. Caso clássico de legítima defesa de terceiro.

A grande confusão que vivemos, se faz com o julgamento sem a análise dos elementos necessários para isso. O direito criminal é uma ciência, existem pilares para serem respeitados. Por que o plenário não pode condenar um policial por homicídio, somente por que no exame de corpo e delito, viu-se que houve um disparo efetuado nas costas? Ora, porque pode estar condenando um inocente!

Também não se pode condenar com base apenas na quantidade de projéteis disparados. Se com três disparos a ameaça não cessa, o quarto será necessário. Uma condenação justa passa pela análise total do fato. O que condena sem olhar circunstancialmente para um contexto, julga por conceitos prévios instalados em sua cognição.

Por fim, não se pode efetuar essa verificação, sem desentranhar o pré-julgamento do aspecto cognitivo de quem julga. O que mais me deixa perplexo no processo penal, são os que já estão condenados, antes mesmo da condenação.