Roger Scruton e o QR Code
Rodrigo Amorim*
Há uns dois anos, eu chegava com a minha família a um restaurante na Tijuca, onde nasci e me criei, quando vi uma discussão - firme, porém sóbria - entre um senhor e o garçom que o atendia. Assim que me sentei, me distraí da discussão e fui logo procurar o cardápio para escolher o almoço. E descobri, da pior forma, o motivo da discussão que eu presenciara ao chegar: o menu do restaurante só estava acessível em QR CODE, o método digital que foi implantado durante a reabertura dos restaurantes na Pandemia da COVID-19. E o senhor, ao lado de sua esposa (o casal tinha entre 65 e 70 anos) argumentava que o celular dele não conseguia manter o cardápio digital aberto em um formato no qual ele pudesse enxergar os pratos e seus preços. Ele pediu algo simples, que há mais de cem anos todos os restaurantes possuem: um cardápio de papel. E o garçom, coitado, tentava explicar que por conta da pandemia, os mesmos estavam proibidos!
O episódio ficou na minha cabeça por alguns meses, até que começamos a receber demandas de pessoas que estavam absolutamente saturadas das dificuldades com o cardápio em QR CODE. Aquilo que eu até via com simpatia - por ser um recurso econômico e facilitador da atividade empreendedora - começava a se mostrar como um estorvo para a maioria dos clientes. Até mesmo uma jornalista - Vera Magalhães - chegou a postar que "quem acabar com o cardápio em QR CODE terá o meu voto". Claro, apesar de termos informado à jornalista do PL 6392/2022, protocolado em setembro do ano passado, e ter "cobrado a promessa", ela jamais respondeu ou deu qualquer atenção, como era de se esperar. Com efeito, há "democratas" que não toleram a convivência com aqueles que pensam de uma forma diferente. Mas seguimos trabalhando, e logo o governador Cláudio Castro sancionou o PL, que se tornou a lei 10.032/23. A partir de então, os restaurantes e bares do Rio precisam apresentar um cardápio impresso, de papel, e os clientes poderão exigir com respaldo na lei.
Muitos confundiram a lei, achando que estávamos proibindo o cardápio em QR CODE (nas redes sociais houve quem achasse que estávamos obrigando o uso do QR CODE e do impresso). Nada disso: o QR CODE é opcional e, a meu ver, até bem-vindo, se você tiver uma boa conexão no celular no momento. A lei apenas determina que é preciso oferecer aos clientes um cardápio de papel, caso eles peçam. Por todo o Brasil, há iniciativas semelhantes estaduais - no município do Rio, um vereador pouco conhecido protocolou o meu projeto seis meses depois. O PL deste obscuro vereador é copiado, "esculpido em Carrara", como se dizia antigamente - mas com a sanção do nosso, dificilmente vai à frente.
Acredito na eficiência do QR CODE, acho que um dia só haverá cardápios digitais (e aí a lei terá que ser cancelada) e é assim mesmo que caminha a humanidade. Mas, por enquanto, é importante que sejamos inclusivos, respeitemos os que têm ainda alguma dificuldade em lidar com essa tecnologia. E pasmem: há muitos jovens que não têm muita paciência para o cardápio em QR CODE, creem que no papel é melhor - muitos reclamam que a bateria do celular acaba e eles ficam sem acesso.
No caso dos cardápios em QR CODE e a multiplicidade de reações - tanto ao cardápio quanto à nova lei - me lembrei do filósofo britânico Roger Scruton, um dos mestres do conservadorismo, que perdemos em 2020. Em seus excelentes livros - dentro eles, "Como ser um conservador" (Ed. Record, 2015) - ele sempre explica com clareza que o conservador é aquele que defende as coisas que "resistem aos testes impostos pelo tempo". Diz o genial filósofo e escritor:
As tradições que os conservadores defendem têm a relevância de uma história bem-sucedida - (...) são o resto palpável de algo que prosperou e não o fato mais recente numa série de começos ineficazes. (…) Finalmente, elas apontam para algo durável, algo que sobrevive e dá sentido aos atos que delas surgem"
Nesta interpretação, podemos entender que o cardápio de papel é a "história bem-sucedida que prosperou", o que não impede, de forma alguma, que o cardápio digital venha a ter seu uso consagrado. Por enquanto, vamos nos dirigir a todos, como fazemos com o artigo que você, nobre leitor, está concluindo agora: certamente escolheu se leria na ótima edição impressa de O FLUMINENSE ou se preferiu a versão digital. O resultado será o mesmo, por meios diferentes e adequados a cada leitor. Não é difícil entender o espírito das leis, certo?