João Timóteo*
Nesta coluna eu tenho dado atenção a como a estrutura das Forças Armadas da Rússia e da Ucrânia foram feitas de formas diferentes, resultando na inequidade do lado russo do conflito que está em curso. A Rússia investiu grande parte de seu orçamento militar em projetos que não surtem efeito na Ucrânia, como, por exemplo, a renovação de seu arsenal nuclear, necessária para a estratégia nacional russa, mas que serve somente para o prestígio do regime em Moscou.
Um outro projeto é o porta-aviões chamado Almirante Kusnetsov. Com a queda da União Soviética o porta-aviões, em estágios finais de construção na Marinha Soviética, cairia sob controle da Ucrânia. O comandante do navio, porém, decide tomar controle e o leva Kusnetsov a portos russos. A partir de então surge um novo problema: não há instalações portuárias para receber um navio deste porte na Rússia. A incapacidade de conectar o Kuznetsov a instalações portuárias, força a Marinha Russa a usar os motores do próprio navio para gerar eletricidade, situação que perdura durante anos, devido à incapacidade de investimento nos anos 90. A solução escolhida degrada os motores, o que gera problemas constantes no navio, que tem de ser sempre acompanhado de um rebocador, caso os motores falhem em alto-mar.
Depois de problemas severos que se arrastaram por anos, o Kuznetsov é enviado em missão à Síria em 2013 em apoio à Bashar Al-Assad. A avaliação pós-missão é que o navio e sua tripulação tiveram uma boa performance. Então, no final das contas, o esquema deu bons resultados, não? Na verdade, não. Para piorar, as falhas em instalações portuárias perduram. Em 2017 o navio é enviado à Vladivostok para efetuar reparos e upgrades, e em 2018 a doca flutuante, que era a única capaz de aceitar o navio, afundou, danificando o Kuznetsov. Em 2019 acontece um incêndio no navio resultando em danos severos, por isso, o porta-aviões permanece em manutenção para reparos e só vai retornar ao serviço em 2024.
Um ponto importante é que mesmo se o Kusnetsov fosse um navio exemplar, ele ainda seria um projeto de vaidade. Com um único porta-aviões é difícil garantir a disponibilidade em uma emergência, pois a tripulação precisa de descanso e o navio de manutenção. Seria necessário, no mínimo, de dois porta-aviões para começar a caminhar em direção à garantia. Isto porque enquanto um está em manutenção, o outro pode ser enviado para onde for necessário. No entanto, essa opção ainda não é a ideal. O Reino Unido, por exemplo, vai ter o Prince of Wales em manutenção durante um tempo prolongado devido a danos ao seu sistema de propulsão, o que vai deixar o Queen Elizabeth como o único porta-aviões em prontidão, o que deixará Londres descoberta por um intervalo de tempo. Portanto, uma frota ideal seria composta por, ao menos, três porta-aviões. Desta forma, ficará assegurada a capacidade de ação nos casos inevitáveis em que um dos navios esteja indisponível por um tempo prolongado e o outro no período de manutenção.
A história do Kuznetsov é a história do desperdício absoluto de recursos que poderiam ter sido bem utilizados em outros setores. O ponto que quero explicar é que o Kuznetsov não adiciona muita capacidade às forças russas, pois eles não têm a capacidade de projetar poder marítimo longe de suas fronteiras. Afinal, seus portos no Mar báltico congelam no inverno, a entrada do mar negro é dominada pela Turquia e os portos no Leste estão longe das zonas de interesse russas e longe também das zonas mais populosas e produtivas do oeste russo.
O uso de recursos para manter o Kuznetsov no mar excedem a sua utilidade como uma plataforma de projeção de poder, e evidentemente não acrescenta nada no seu atual conflito contra Ucrânia, no qual eles possuem bases aéreas em terra firme em proximidade ao campo de batalha. Esta verba teria sido muito mais bem utilizada na aquisição de um número maior de mísseis precisos, drones ou em capacidades de supressão de defesa aérea inimiga. Porém, a Rússia para se legitimar como superpotência face ao poderio naval americano, decidiu manter esta capacidade. Agora estamos assistindo ao resultado.
Porta-aviões para quê?
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