Abel e Caim - e o ainda minimamente humano

Dom José - Foto: Thiago Maia/Divulgação

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Seja qual for nossa origem, três elementos são anteriores a qualquer especificidade cultural ou de qualquer coisa que se costume chamar de civilização.  

Primeiro: somos seres carnais: o corpo dita suas normas e exige que sejam obedecidas. Nem é bom lembrar dos resultados nefastos de quando elas são desobedecidas. 

Segundo: somos seres sociais. Toda alteridade se situa, indizivelmente, além da mera complementaridade dos sexos. É ela que nos permite compreender a estrutura especificamente humana do ser, da ausência e da solidão. O fato de existirem eremitas solitários é uma exceção que apenas confirma a regra universal, em seu sentido amplo, de que não é bom que o homem esteja só.

A alteridade criou espaços de convivência, esses espaços criaram a História, e a História nos recriou de volta, num círculo hermenêutico que toda vez que se fecha gera um novo impulso para se abrir novamente. 

Terceiro: somos seres individuais, carregamos personalidades sempre condenadas a ser livres. Afinal, a liberdade não é uma escolha, mas uma exigência própria da condição humana. A liberdade é o que confere o tom e a cor a todo o restante. É a partir dela que podemos falar detol erância, respeito e estima.  

Dentro do contexto da liberdade, seria bom ficar claro que não somos livres de, mas somos livres para. Não é de alguma circunstância que ficamos livres, mas é para mudar as circunstâncias que nos preparamos a vida inteira. A bem da verdade, essa é a obra prima das nossas vidas: não fosse assim, viveríamos na idade da pedra, com toda humanidade ainda por ser construída. 

Caim e Abel não são pessoas concretas. Melhor falando, são personagens de uma ancestralidade que nos habita, a nosso favor ou contra nós.  

Cabe a cada um escolher o lado que mais o traduz.

*Dom José Francisco é arcebispo de Niterói