Dr. Guaraci de Campos Vianna
A modernidade trouxe algumas novidades dignas de nota. Gerações passadas não lidaram com o bullying, ou pelo menos não tinham essa prática como um problema. O mesmo ocorre com o sharenting, que significa a exposição e compartilhamento excessivo de informações privadas sobre crianças.
A humanidade tem experimentado o fenômeno de virtualização dos laços sociais, em que a importância da manutenção da vida cibernética se iguala, e por vezes até supera, à interação física. Dessa forma, tão essencial quanto dar notícias sobre o próprio bem-estar a um ente querido é publicar excessivamente sobre si mesmo nas mais diversas redes sociais.
No momento em que os indivíduos submetidos a esse aspecto sociológico se tornam pais, existe a tendência desse comportamento obsessivo por compartilhar publicações online envolver também o cotidiano de seus filhos.
Assim ocorre a prática de divulgar, exageradamente, informações sobre os filhos menores, tais como fotografias, vídeos, detalhes das atividades que a criança realiza, como expor o colégio em que estuda, até violando o seu direito à privacidade, e de resguardo à sua intimidade.
Nessa perspectiva, igual importância é assegurada pela Lei 8.069/90 em relação aos direitos personalíssimos, que englobam o direito à imagem, à privacidade e à intimidade da criança. Conforme está explícito no art. 100, parágrafo único, inciso V do ECA.
O excesso de compartilhamento de informações em redes sociais, além de implicar na violação de direitos personalíssimos, pode também acarretar em problemas gerados pelo mau uso dos dados por terceiros.
Uma dessas implicações é o roubo de identidade. Sobre esse ilícito, o banco britânico Barclays realizou um estudo em que foi estimado que até 2030 o excesso de informações compartilhadas online pelos pais "produzirá 7,4 milhões de incidentes de fraude de identidade".
Ademais, para que a identidade de alguém seja roubada, as informações básicas a que os agentes fraudadores precisam ter acesso podem facilmente ser encontradas em redes sociais, já que é consideravelmente grande a chance de se obter nome, idade, local de nascimento, filiação, entre outros dados pessoais, de qualquer pessoa após um rápido acesso à rede virtual de computadores.
São diversas as postagens realizadas diariamente, e, na maioria das vezes, sem qualquer preocupação com as possíveis consequências do compartilhamento, sem consciência dos perigos a que expõem seus filhos ao compartilhar informações.
A simples postagem da foto de uma criança trajando o uniforme escolar, por exemplo, pode revelar muito mais do que se pretende. A partir da imagem é possível descobrir qual instituição a criança frequenta, estimar sua idade, qual o bairro em que mora, de acordo com a localização e até mesmo quanto tempo o filho fica sem o monitoramento direto de seus genitores.
Assim, fica claro que a sociedade da informação trouxe junto da tecnologia e das facilidades de comunicação novas preocupações, entre elas o mau uso dos dados pessoais.
Nesse viés, é perceptível a necessidade de regulamentações específicas quanto à veiculação de dados nas redes, mesmo que nos perfis de seus familiares.
A Lei Geral de Proteção de Dados foi a primeira norma a dispor sobre o tratamento dos dados de menores de idade, determinando que estes devem ser tratados sempre no melhor interesse da criança e do adolescente, mediante a coleta do menor número de informações possíveis.
A exposição descontrolada da imagem das crianças por suas famílias nas redes sociais - ainda que com as melhores das intenções - é recorrente, de modo que é necessária a reeducação dos usuários.
Por mais que não haja qualquer previsão de mudança, é premente a necessidade de diretrizes que regulem, ainda que minimamente, o compartilhamento de informações, visando ao resguardo da privacidade e segurança de todos, principalmente crianças.
É certo que o ordenamento jurídico brasileiro encontra-se ainda em fase prematura no que diz respeito à regulamentação dos indivíduos em âmbito virtual. O que preocupa ainda mais é tamanha morosidade do Legislativo pátrio, sendo extremamente lento quando posto lado a lado com o dinamismo atual da sociedade da informação.
Nem o sharenting comercial, que implica em ganhos financeiros (a família, por meio de mídias sociais (youtube, instagram...) divulga marcas e serviços em troca de dinheiro ou permutas de roupas, brinquedos etc), nem o não comercial (compartilhamento de dados que a contrapartida econômica) estão regulamentados pela legislação. Há o risco de exposição da criança a perigos como a pornografia infantil, sequestro digital ou físico, cyberbullying, roubos, furtos etc. Existem perigos desconhecidos e uma excessiva exposição a qual não lhe foi conferido o poder de dizer não.
A criação de uma legislação própria para abrigar de forma clara os direitos dessas crianças e os deveres de seus pais com suas personalidades é urgente e necessária. Junto ao texto da legislação é necessário haver uma forma de fiscalização e ingresso de denúncia para os casos em que os princípios legais forem violados, com aplicação de multa aos responsáveis pela desobediência à normativa. Voilà!