Dr. Guaraci de Campos Vianna
Não gostamos de utilizar estrangeirismos num texto em vernáculo, pois parece que o nosso idioma é carente de expressões técnicas. Contudo, nem sempre é possível evitar, pois a tradução literal poderia causar uma certa confusão.
O termo foi criado pelo filósofo alemão Robert Edward Freeman, com o objetivo de legitimar as ações de uma organização através do conhecimento de todas as partes interessadas. A ideia é que as empresas devem buscar atender aos interesses de consumidores, fornecedores, trabalhadores e da sociedade, bem como de seus acionistas, ou seja, definir qual o seu público estratégico ou seu grupo de interesse.
É imprescindível que se tenha uma visão de longo prazo, sem perder o foco pela lucratividade. O capitalismo de stakeholder não significa ter a maior consciência dos problemas sociais ou se defender de ativistas inoportunos. Na verdade, diz respeito à construção de confiança. Algo como um capital social de que as empresas necessitam para operar. E significa que criar valor para os acionistas no longo prazo exige mais do que simplesmente focar neles. Deve-se buscar, simultaneamente, atender aos interesses de consumidores, fornecedores, trabalhadores e da sociedade, bem como de seus acionistas, diretores, funcionários e seus familiares, porque as empresas prestam serviços aos seres humanos.
A pandemia pode mudar a sociedade e as empresas. Aliás, não sobreviverão aqueles que não aderirem as exigências de mudança.
A melhoria de infraestrutura de saúde pública e a modernização dos sistemas de saúde, incluindo o uso mais amplo de telemedicina e saúde virtual são medidas mais urgentes a serem tomadas. As empresas devem aprender com a pandemia para redesenhar os locais de trabalho, criar ambientes mais saudáveis e investir na saúde de seus funcionários.
A economia verde é uma exigência antiga e agora mais forte. No mundo todo o custo da poluição - e os benefícios da sustentabilidade ambiental - tem que ser reconhecidos. As empresas devem agir para limitar seus riscos climáticos, por exemplo, diversificando suas cadeias de suprimento, e criando oportunidades de crescimento verde, em setores como o de energia, mobilidade e agricultura.
Neste contexto, é que o capitalismo de stakeholder entra em ação, atuando como ponte entre as empresas, os governos e as comunidades das quais elas fazem parte. A crise da covid-19 mostrou claramente a interconexão entre empresas e sociedade - um exemplo disso é o serviço de delivery, antes restrito, mas que praticamente se universalizou.
Existem dois principais e mais conhecidos modelos de definição do público estratégico ou grupos de interesse: o modelo baseado nos stakeholders e o baseado nos shareholders (acionistas).
De acordo com o modelo stakeholders, a empresa é vista como uma organização social que deve trazer algum tipo de benefício a todas as pessoas envolvidas no processo. Este modelo também é conhecido como um modelo de responsabilidade social, tendo em conta que visa um equilíbrio social. O lucro alcançado pela empresa é dividido proporcionalmente de acordo com a participação de cada elemento: acionistas ou proprietários (shareholders), clientes, fornecedores, etc. Este modelo não privilegia somente a vertente financeira, mas também dá valor à vertente social e retributiva. Por esse motivo é considerado como um modelo de responsabilidade social ou corporativo.
Já o modelo de shareholders está intimamente relacionado com os acionistas e foi um modelo quase exclusivo durante toda a Era Industrial.
Neste caso, a empresa é vista como uma entidade econômica que deve trazer benefícios aos shareholders (proprietários ou acionistas). Por este motivo, é conhecido como um modelo de responsabilidade financeira, sendo que neste caso o sucesso da empresa é medido quase exclusivamente pelo seu lucro.
O modelo antigo (shareholders) deve ser abandonado, pois em breve se tornará obsoleto e desumano. Numa pesquisa global da MCKinsey, realizada em fevereiro de 2020 (Erick Lamare e Kate Smaje. Accelerating digital capabilities to recover from the covid-19 crises, 21 de julho de 2020) após a análise das 615 maiores empresas do mundo listadas na bolsa de valores do EUA, constatou-se que as empresas que tiveram visão a longo prazo, algo fundamental para o capitalismo de stakeholder, tiveram desempenho superior as demais em termos de lucro, receita, investimento e crescimento do emprego. Os programas sociais ambientais e de governança criam valor de curto e longo prazos.
Em 1759, Adam Smith, rei da filosofia capitalista, observou em seu livro A Teoria dos Sentimentos Morais que o indivíduo "também é sensível a que seus próprios interesses estejam conectados com a prosperidade da sociedade, e que a felicidade, talvez a preservação da existência, depende de sua conservação". O livre mercado tem sido uma força social positiva, mas o crescimento econômico e o lucro deve ser obtido com o bem estar de todos que integram o grupo de interesse e não apenas os donos exploradores.
Voilà!