Sobre papéis invertidos

Quando a família se desestrutura e a criança presencia, a escola resolve.

Quando a criança sofre maus tratos é perguntado se a escola não viu.

Quando a criança sofre abuso, consultam se a escola não percebeu nada.

Quando a criança está agitada, dizem que naquela escola, o professor não tem pulso.

Quando a criança está apática, é falta de um olhar atento do professor para este aluno.

Quando há uma perda familiar, a escola apoia a recuperação do estudante e o professor tem que atuar de alguma forma, preparado ou não.

Quando a criança aparece com uma marquinha na perna em casa, é o professor que não cuidou bem.

Quando o lápis não voltou pra casa, disseram que o professor tinha que dar conta.

Quando a criança chega tarde, é porque o trânsito estava ruim.

Quando a criança falta as aulas, é porque a família teve problemas.

Quando a criança vem com dever de casa sem fazer, é porque os responsáveis têm muitas tarefas e não puderam ajudar.

Quando a criança fala um palavrão, com certeza aprendeu na escola.

Quando a criança bate no colega, é porque está se defendendo do outro.

Quando a criança bate no professor, é porque está sofrendo algum drama subjetivo.

Quando a criança tira uma nota baixa, com certeza o professor não soube ensinar.

Quando a criança tira uma nota alta é mérito da família.

Quando a criança repete de ano, tem que trocar de escola porque essa não presta.

Quando vai bilhete para casa, é porque a professora está de marcação com o aluno.

Quando o responsável não comparece à reunião, é porque precisa trabalhar.

Quando o responsável recebe a notícia, de que o aluno está quase repetindo de ano, responsabiliza a escola de não ter tomado as devidas providências.

Esta é uma reflexão sobre a inversão dos papéis sociais na vida da criança. O educando, como ser em desenvolvimento, aprende observando e imitando seus referenciais próximos. Como criar um sujeito autônomo, crítico e responsável se ao longo da sua trajetória a responsabilidade nas situações é sempre remetida ao outro? Meu responsável é certo! Minha família é correta! Os erros não são meus. Foi isso que dissemos nas entrelinhas até aqui.

A culpa é de quem não pode se defender, a escola como instituição. O professor que trabalha 200 dias letivos no ano, assiduamente, chegando antes do horário de trabalho para receber os alunos e caso falte algum recurso, sempre criativamente acha uma solução e busca um investimento, muitas vezes tirando do seu lar.

Ao longo da pandemia temos ouvido coisas como: "O ano letivo das crianças", "As perdas dos menos favorecidos", "Livrar as crianças de uma possível contaminação e morte", "O pagamento dos professores em dia", "Obrigação das aulas online", "Vídeos curtos, pouca aula", etc

Não ouvi indagações do tipo: "Será que o professor está bem?", "Houve contaminação entre os docentes?", "Algum professor teve perdas?", "Algum funcionário da escola esteve doente ou faleceu?", "Qual o volume de trabalho que eles têm no home-office?", "Quantos cursos tiveram que fazer para continuar ofertando educação de qualidade para as crianças?", "Como esses professores conseguiram em tão pouco tempo buscar estratégias para o ensino remoto?", "Meus professores são do grupo de risco?", entre outras.

Para haver educação precisamos de uma relação simbiótica entre os alunos e os docentes e para que isso aconteça com sucesso é necessário que todos os envolvidos estejam saudáveis física e emocionalmente.

Me solidarizo aos colegas que vêm se reinventando. Estamos ressignificando as relações escolares. Lembro o apóstolo Paulo que dizia:" quando eu me acho fraco é aí que eu sou forte".