Dr. Alcides da Fonseca Neto
Na terça-feira passada, o jornal acabara de publicar meu último artigo, intitulado "Segurança Pública é Garantia Fundamental", no qual eu abordara a importante questão relacionada ao fato da Segurança Pública ser também um Direito Fundamental de todos os cidadãos, razão pela qual, explicava eu, havia uma relação direta entre Política de Segurança Pública e Política de Direitos Humanos, até porque o princípio reitor de nossa Carta Política vinha a ser a Dignidade da Pessoa Humana.
Tudo isso eu escrevi quando ainda tentava me recuperar das nuvens carregadas dos noticiários sobre as mortes dos seis jovens que foram vítimas de uma Política de Segurança Pública de extermínio, de confronto, que não se preocupa com a vida de pessoas inocentes e que ainda chega ao ponto de atribuir a morte de jovens inocentes "aos direitos humanos". Confesso que os últimos meses não têm sido fáceis nem pra mim nem para todas as pessoas que entendem que os conflitos podem ser resolvidos sem que se parta imediatamente pra política da "bomba, porrada e tiro", principalmente quando essa política é implementada em comunidades carentes, mas desde que não estejam sob o jugo das milícias, claro. Em território ocupado por milícia, não tem morte.
Porém, eu não imaginava que naquele dia, poucas horas mais tarde, uma tragédia muito mais complexa estivesse pronta para acontecer, como realmente acabou acontecendo, quando o sequestrador daquele ônibus interrompeu o trânsito da Ponte Rio-Niterói.
Todavia, o que estava em curso não era um crime qualquer. William, o sequestrador, pessoa pobre e portadora de doença mental, criou aquela cena toda porque, no fundo, queria ser morto pela polícia. Mas evidentemente, com seu comportamento, colocou em perigo e efetivamente poderia ter matado alguns dos 37 reféns, de modo que, do ponto de vista da operação policial, não havia outra ação a ser executada e os policiais agiram com total eficiência.
Assim, é preciso distinguir o seguinte: Há que se comemorar que os reféns saíram ilesos diante de uma ação policial bem-sucedida. Só isso!
Portanto, fiquei completamente perplexo ao perceber a celebração de incontáveis pessoas pela morte de um homem. Ou melhor, com a morte de um homem portador de doença mental. Na verdade, o que mais me assustou foram as manifestações de centenas de pessoas que li pelo Facebook e pelo Twitter, todas festejando a morte do sequestrador e dezenas afirmando que deveriam ter sido disparados mais tiros para matá-lo.
Entendo que estamos atingindo um ponto difícil e perigoso em nossa sociedade, que é aquele em que podemos detectar claramente um déficit civilizatório, que nos obrigará a voltar alguns passos em nosso processo de desenvolvimento e que já está causando uma ruptura de nossos códigos éticos e morais mínimos. O passo seguinte, na escala da evolução negativa, que eu espero que seja evitado por todos nós, é a sociedade da barbárie, que de uma certa forma já pode ser sentida em alguns lugares.
Nesta última escala, a vida passa a não ter mais valor ou a ter um valor secundário ou relativo, dependendo de quem a pessoa seja, do papel que ela desemprenhe na sociedade, do partido da preferência dela, de sua ideologia política, de sua opção sexual, etc.
Se nada for feito - e eu já estou alertando para isso há bastante tempo - nossos futuros dirigentes políticos serão pseudorreligiosos conservadores e milicianos/políticos.
Na verdade, quando faço tais afirmações é porque realmente não acho normal que seres humanos iguais ou melhores do que eu, de uma hora para outra, comecem a celebrar a morte de alguém. De quem quer que seja. É bom lembrar que não temos, pelo menos em tese, a pena de morte no Brasil. De modo que me causa completa repugnância ver uma pessoa igual a mim, melhor do que eu, celebrando, comemorando, a morte de William.
Mas não parou por aí. Eu ouvi afirmações do tipo: "Menos um vagabundo"; "A polícia deveria ter dado mais tiros nele". Esse tipo de bestialidade - que eu prefiro acreditar que seja só no discurso - está a serviço de quê? E o problema mental de William, jamais tratado pelo Estado, não conta? Será que ninguém é capaz de perceber a dor da mãe que perdeu o filho e que sempre teve dificuldades para tratar dele?
Todavia, pior do que celebrar a morte, é naturalizar a morte. É isto que já começa a acontecer em nossa cidade, em nosso estado. Quantos realmente se preocuparam com a morte dos seis jovens inocentes da semana passada?
É bom lembrar, todavia, que o tiro que vitimou aquele rapaz que se encontrava no ponto de ônibus, na Tijuca, amanhã, pode vitimar qualquer um de nós ou de nossos parentes. Não podemos achar que isso é natural, porque isso não é natural! Caros leitores, aqui em Niterói isso também pode acontecer. Acordem!!
Mas não é tudo. Há mais.
O lado bom da história, o que ainda renova minhas esperanças nos seres humanos, são atos como o do senhor Paulo César Leal, pai de uma das reféns, que, ao invés de comemorar a morte de William, estava na delegacia consolando a mãe dele, quando então ele disse: "Não adianta ver só o meu lado, a minha família. Somos todos humanos".
O respeito pela vida humana, seja qual ela for, é fundamental para nos distinguir das feras e dos animais. É esse respeito que nos ajudará a combater o aludido déficit civilizatório e impedirá que a barbárie faça parte do nosso futuro.