Dr. Alcides da Fonseca Neto
Este tema relacionado à execução provisória da sentença penal condenatória é, indiscutivelmente, o mais atual e aquele que desperta as maiores paixões no país. É claro que eu não posso nem devo manifestar-me sobre o julgamento que está em curso no colendo Supremo Tribunal Federal, devido à minha condição de magistrado, mas nada me impede de discutir a questão em tese, na qualidade de professor e jurista.
De qualquer maneira, embora eu vá me posicionar, eu sei que agradarei a uns amigos e alunos e desagradarei a outros tantos amigos e alunos e farei novos desafetos. Mas não tem problema. Num tema desta envergadura, o que não é possível é permanecer em silêncio, em cima do muro, fingir que nada está acontecendo e deixar de emitir a minha opinião, especialmente quando tantas pessoas perguntam o que penso sobre esta delicada questão.
Portanto, vamos a ela, em apertada síntese.
Entendo que o debate deva envolver o alcance do princípio da presunção da inocência, pois quando se prende alguém em segunda instância, não se está dizendo, necessariamente, que seja culpado.
Também não é possível deixar de lado o princípio da efetividade da função jurisidicional, pois ela existe para atender a valores que interessam a toda a sociedade. Por exemplo: Ninguém deseja que um processo importante, ao final, seja declarado extinto, pela prescrição. Cabe ao Judiciário zelar para que esta prescrição não aconteça.
Portanto, filio-me à corrente que entende que o princípio da inocência deve ser examinado com diferentes cargas valorativas, dependendo da fase processual em que se encontre.
Assim, antes de prolatada a sentença condenatória, em que a prova foi examinada por apenas um único juiz, o princípio da presunção de inocência é absoluto, especialmente no diz respeito ao ônus da prova de incriminação, embora seja sempre possível a prisão cautelar(prisão preventiva).
Todavia, em havendo recurso, mantida a condenação, no juízo de segundo grau fica exaurido o exame da prova, que não mais poderá ser realizado pelos Tribunais Superiores, eis que os eventuais recursos para o STJ e STF, têm como âmbito de cognição apenas matéria de Direito. Nunca matéria de prova.
É por isso que muitos sustentam em doutrina, mas também em jurisprudência, a relativização do princípio da presunção de inocência, ou até mesmo a própria inversão do princípio da presunção da inocência no caso concreto, de modo que a partir desta fase passa o réu, no caso concreto, a ter que mostrar que é inocente, uma vez que toda matéria probatória já foi julgada em seu desfavor e muito pouco resta a ele que não sejam questões eventuais de Direito, que a defesa vai ter que praticamente "tirar da cartola". É isso que acontece no cotidiano forense. O resto é discurso quase sempre vazio de advogado de réu do colarinho branco, muito interessado naquela tal de prescrição, mesmo que por dever de ofício.
Por outro lado, apenas para que o leitor tenha ideia do que se passa no Direito Comparado:
Na Inglaterra, com tradição democrática muito maior do que a nossa, a regra é aguardar o julgamento dos recursos com o réu já cumprindo pena, salvo se a lei garantir a liberdade através da fiança;
Nos Estados Unidos, o princípio da presunção da inocência é entendido como corolário das 5ª, 6ª e 14ª emendas. Apesar disso, desde a primeira instância, em havendo sentença condenatória, o réu cumpre a pena preso;
Na Alemanha, apenas em poucos casos o réu deixa de ser preso, em primeira instância, quando ocorre uma sentença condenatória. O mesmo se dá no Canadá, na França, na Espanha, em Portugal e até no país dos nossos coirmãos, a Argentina.
Assim sendo, nós, brasileiros, achamos que temos os melhores juristas, os maiores especialistas e as mais perfeitas leis do mundo civilizado, porém, no mundo civilizado não se discute que um réu, após a segunda instância, possa responder ao processo em liberdade, por causa da literalidade do princípio da presunção da inocência.
De outro lado, nada vai mudar para os processos de negros, pardos, moradores de comunidades e miseráveis. Sabem por quê ? Porque esses continuarão a ser presos em flagrante delito e ponto final ! E quando forem presos preventivamente, assim ficarão através dos tempos, porque sempre foi assim.
Portanto, a nosso juízo o princípio da presunção de inocência não impede a prisão em segunda instância porque não é absoluto, até porque ele precisa estar em equilíbrio com o princípio constitucional da efetividade da função jurisdicional penal, sob pena de voltarmos ao tristes tempos, que só agradavam aos criminosos de colarinho branco, em que os processos quase todos prescreviam nas instâncias superiores.