Olhar para o passado é fundamental para redesenhar o futuro, de modo que podemos aprender com os erros, mas, principalmente, dar luz ao conhecimento já existente. Esse é um dos intuitos da professora, crítica literária, pesquisadora, ensaísta, editora e jornalista Heloisa Buarque de Hollanda, que acaba de organizar e lançar os livros “Pensamento feminista brasileiro - Formação e contexto” e “Pensamento Feminista - Conceitos Fundamentais”, publicados pela Bazar do Tempos.
De onde surgiu a ideia de organizar os livros, tão importantes para a perpetuação da discussão e pesquisa entre as jovens feministas brasileiras?
Nesse momento em que o feminismo jovem está tão forte na internet e demais locais de encontro, achei que era a hora H de oferecer repertório organizado para essa geração. Os cursos nas universidades também são milhares, teses… Por isso, resolvi compartilhar tudo que eu li e me marcou. Essa seleção é um compartilhamento.
O que vamos encontrar em cada um deles?
Nos “Conceitos Fundamentais”, a gente não tem as feministas clássicas, porque a elas todo mundo tem acesso - Simone de Beauvoir e Virgínia Woolf - , mas começo quando a ideia de gênero, ao contrário de identidade, isto é, relações de gênero, começa a ser configurada. Daí passo para o momento onde todos os conceitos são interpelados, então o conceito de feminismo muda um pouquinho, até chegar hoje, onde ele está totalmente desconstruído. Quanto ao “Formação e contexto”, achei importante divulgar e organizar a formação do nosso pensamento brasileiro. Peguei as pioneiras. Temos pensamento feminista desde 1965, ou seja, já tínhamos movimento teórico. E isso foi muito forte, pouca gente sabe. É uma história desconhecida. Organizei para um público maior, obviamente para quem está estudando, para quem é feminista. Tentei organizar também esse pensamento em seus momentos fundamentais. Primeiro as tentativas de historiografia, depois sobra quais eram os temas desse momento - violência, aborto, mercado de trabalho -, enfim, as primeiras demandas e reflexões sobre isso, e o terceiro momento já era a questão racial entrando no feminismo, que, depois, vai se multiplicar em uma porção de lugares de fala; e a quarta parte é já um pensamento sobre o pensamento feminista. Acho ele importante porque veio numa hora crucial, de anunciação do pensamento feminista teórico e que não sei se estava até hoje organizado desta maneira.
Foi muito difícil chegar às 19 e 16 autoras de ambos os livros? Encontrou alguma surpresa no percurso? Qual?
Foi muito difícil porque a riqueza era enorme, especialmente no “Formação e Contexto”, que eu tinha muitas autoras e texto e tive que, com o coração na mão, cortar. No “Pensamento feminista - Conceitos fundamentais” foi mais fácil porque eu compartilhei a minha formação.
Um dos livros elucida sobre a formação e contexto do feminismo no Brasil. Ele também aponta uma alternativa para que nosso caminho (das jovens mulheres e das meninas brasileiras) seja menos dolorido?
Creio que o livro não tenha sido concebido para apontar caminhos. Acho que ele pretende mostrar como esse pensamento se formou. Agora estamos fazendo um livro novo chamado “Pensamento feminista hoje” e nele, sim, vai ter todos os caminhos que estão sendo abertos e percorridos.
Gostaria que você falasse sobre a importância da comunidade científica para a consolidação do pensamento feminista no Brasil. E fora dele também.
É muito importante esse campo de estudos de gênero ou estudos feministas - tem vários nomes, isso é uma disputa dentro da área. Esse campo se consolidou. No Brasil, ele ainda não é um departamento, ele fica escondido nas disciplinas. Nos países do exterior, como os Estados Unidos e em países da Europa, você já tem departamento de estudos feministas consolidado como uma coisa em si.