Por Redação
Ao ouvir experiências de outras pessoas, Bernardino Freitas, de 60 anos, descobriu que não estava sozinho. Nem havia motivo para se envergonhar. O homem, nascido em Miracema do Norte (TO) e que vive há sete anos em Brasília (DF), queria mesmo que a lembrança do copo com aguardente ficasse no passado. “Fui procurar ajuda no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) quando tinha passado do limite”.
Ele percebeu o “limite” quando se viu de manhã até a noite nas mesas de bares e sentindo a saúde se deteriorar. Somaram-se aí os sentimentos da esposa e dos filhos. O aposentado procurou ajuda de profissionais de saúde e está há dois anos longe do vício. A vida sem álcool ganhou outro sabor.
“Hoje eu me sinto muito melhor”, afirma Bernardino. Nesta quinta (20), Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo, ele tem na rotina a participação em grupo terapêutico, em que se identifica com outras histórias. “Os profissionais de saúde do Caps fizeram com que eu me envolvesse com o tratamento”.
A bebida, segundo Bernardino, ganhou importância quando se viu sem poder trabalhar como jardineiro, profissão da maior parte da vida. Uma cirurgia na coluna fez com que se aposentasse aos 45 anos. “Isso me empurrou para o vício. Eu fiz bem em pedir ajuda”.
Papel do SUS
No Brasil, o tratamento contra a dependência em álcool é especializado, gratuito e universal (nas unidades básicas e nos Caps). Questionado pela Agência Brasil, o Ministério da Saúde informou que os cuidados para pacientes com alcoolismo e outras drogas no Sistema Único de Saúde (SUS) são realizados pela Rede de Atenção Psicossocial (Raps), que totalizam 6.397 unidades em todo o país, entre elas 3.019 centros de Atenção Psicossocial (Caps).
“Essa estrutura faz do Brasil um dos países com a maior rede de saúde mental do mundo”, acrescentou o ministério. Os serviços incluem intervenções psicossociais para cada caso, que podem ser realizadas de forma individual ou coletiva, o que inclui o acolhimento da família.
O ministério disse que os Caps têm acesso livre, não precisam de agendamento prévio para realizar o primeiro atendimento e têm equipes multiprofissionais. Essas unidades atendem pessoas de todas as faixas etárias. Existem unidades com essa característica que funcionam 24 horas e contam com camas para acolhimento noturno dessas pessoas por até 15 dias no mês.
Serviço é gratuito, mas tem desafios
Além de a rede de serviços ser gratuita e do acesso a toda a população, o que é fundamental para combater o problema do alcoolismo, há desafios no dia a dia dessa política pública, afirma a socióloga Mariana Thibes. Ela, que é coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), organização da sociedade civil de interesse público e referência em pesquisas sobre o tema, entende, porém, que “muitos desafios” permanecem nos trabalhos de prevenção às doenças causadas pelo etilismo.
Para a pesquisadora, seriam importantes, nessa luta dos profissionais de saúde, maior qualificação para identificação precoce do problema nas abordagens de rotina, ampliação da disponibilidade de tratamento medicamentoso especializado na maioria dos municípios e aumento do número de profissionais de saúde especializados, como psiquiatras e psicólogos nos Caps-AD (tratamento contra a dependência em álcool e drogas).
“Além disso, podemos destacar as barreiras de acesso por conta do estigma que a doença ainda tem, o que retarda a busca por ajuda”, alertou Mariana em entrevista à Agência Brasil. Ela entende que, dessa forma, embora o Brasil tenha avançado nos principais pilares do combate ao alcoolismo nas últimas décadas, ainda resta muito a ser feito.
Efeitos da pandemia
A pandemia de covid-19 (que, como medida sanitária, fez com que as pessoas precisassem se isolar em casa) representou um desafio para quem sofre com o alcoolismo. “Muitas pessoas passaram a beber mais para enfrentar as dificuldades do momento”, lembra a socióloga.
Ela explica que pacientes ficaram sem tratamento por causa da superlotação dos serviços de saúde em vista das prioridades com a pandemia. “Houve aumento no número de mortes por alcoolismo, não só no Brasil, mas no mundo. Alguns estudos vêm mostrando que esses problemas ainda não foram totalmente revertidos. Esforços em políticas públicas precisarão ser feitos para isso acontecer”.
Racismo e machismo
Um dos dados que a pesquisadora cita é que 72% das mulheres vítimas de transtornos causados por dependência ao álcool são negras. Mariana Thibes explica que esse número não está relacionado ao maior consumo abusivo por essa população. São mais vítimas porque há desigualdade no acesso a serviços de saúde de qualidade.
Luiz Claudio Ferreira - Repórter da Agência Brasil