Por Redação
Há cerca de cinco anos, mais exatamente em 13 de março de 2020, os governos do Rio e São Paulo anunciavam a suspensão de aulas e eventos, numa das primeiras medidas mais efetivas contra a disseminação de uma doença que desde o final de 2019 assombrava o planeta: a Covid-19. Meia década depois, apesar das mais de 705 mil vidas perdidas no Brasil – cerca de 500 somente em 2025 – a pandemia por vezes parece um episódio distante, um daqueles assuntos incômodos que preferimos evitar, como se o silêncio trouxesse alívio ou solução para as dores.
O desconforto diante do tema é compreensível. Tendemos, por natureza e instinto de sobrevivência, a esquecer ou relativizar as lembranças ruins, pois só assim é possível seguir em frente depois de eventos dolorosos. No caso específico da Covid, por exemplo, tivemos que superar – ou aprender a enfrentar, com os devidos cuidados – o medo de aglomerações. Se o pânico inicial provocado pelo eventual contato com o coronavírus permanecesse, estaríamos condenados a um sem-número de restrições, com muito mais danos do que benefícios à vida em geral.
Apagar o passado, porém, não é a melhor estratégia para o avanço da sociedade, e este quinto “aniversário” da pandemia pode ser uma bela oportunidade para analisar com serenidade nossos erros e acertos – sim, nossos, da mais alta autoridade ao cidadão comum – em seu enfrentamento. Uma avaliação, dentro do possível, sem o componente político-partidário que lamentavelmente tomou conta do país desde as primeiras notícias sobre a doença, criando, como se ainda houvessem poucas, dificuldades adicionais na compreensão da doença e, assim, na luta contra ela.
Além do impacto econômico e, claro, das centenas de milhares de óbitos, a pandemia deixou um rastro nem sempre visível, mas não por isso pouco expressivo: os graves distúrbios mentais decorrentes do isolamento social, remédio amargo, mas indispensável frente a uma enfermidade até então desconhecida. Medo da morte e solidão formam uma dupla extremamente danosa ao nosso equilíbrio emocional, o que se comprova no crescimento nos casos de ansiedade e depressão no Brasil a partir de 2020, especialmente nas camadas menos favorecidas da população.
Um dado mostra a dimensão da tragédia: segundo a Organização Mundial da Saúde, o número de pessoas com ansiedade e depressão no planeta cresceu 25%. Não se trata de um fenômeno passageiro, nem superestimado. Esses distúrbios podem levar anos para se manifestar, e muitas vezes são encarados com preconceito, levando o enfermo a esconder os sintomas e adiar a busca por tratamento. Não será surpresa, portanto, se estivermos prestes a encarar um aumento considerável desses transtornos no Brasil, inclusive nos casos de alta gravidade, que exigem intervenções mais complexas.
Diante deste possível cenário, a redução de mais de 50% – de 33.454 para 16.326 – na oferta de leitos psiquiátricos pelo SUS entre 2013 e 2023 gera certa preocupação. Divulgada recentemente pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, a queda é fruto da Lei 10.216, de 2001, que prevê, entre outras diretrizes, o fim das internações no tratamento dessas doenças. Uma ideia sem dúvida louvável, mas nem sempre com eco na realidade, pois há casos em que o doente, incapaz de controlar seus atos, ameaça sua própria integridade física, exigindo assim acompanhamento permanente.
A questão da saúde mental, evidentemente, é apenas uma das muitas postas na mesa pela pandemia. Ela também mostrou a urgência de melhorias na estrutura física e de pessoal da nossa rede pública, com foco na prevenção e no atendimento básico, além de jogar luz sobre os danos que a politização do tema pode acarretar. Cinco anos depois, que a triste lembrança dos mais de 700 mil mortos estimule, finalmente, um debate sério sobre a saúde pública brasileira.
*Jorge Jaber é psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), membro da Academia Nacional de Medicina